Qualquer canção de bem
É o grão, é o germe, é o gen
Se tomarmos a palavra “canção” expressa acima como representante das
manifestações artísticas de forma geral, temos nesse pequeno trecho de Qualquer Canção, de Chico Buarque, uma
ótima explicação para o valor que a arte pode assumir para a formação humana:
qualquer “arte” de bem algum mistério
tem, é o grão, é o germe, é o gen da chama. Como chama, entendemos aqui a
manifestação de nossa percepção, das nossas emoções, daquilo que reage em
contato com a essência da realidade representada na obra de arte. O grão, o
germe e o gen são o princípio dessa reação, aquele estímulo manifestado quando
entramos em contato com uma manifestação artística que nos faz ver o mundo “de
uma maneira diferente daquela própria ao pragmatismo e ao imediatismo da vida
cotidiana” (DUARTE, 2008, p.5). Dessa forma, podemos entender que a arte, de
alguma forma, altera nossa visão do que já nos é comum e nos permite
compreender novas realidades e percepções de mundo que talvez não nos fosse
possível notar de outra maneira. Segundo Vásquez, “o homem é homem na medida em
que cria um mundo humano, e a arte aparece como uma das mais elevadas
expressões deste processo de humanização” (VÁSQUEZ apud MAXIMO, 2011, p.4).
Tendo em vista essa concepção de
arte, o subprojeto do PIBID de Português/Francês, CINEMA E NOVAS MÍDIAS: FERRAMENTAS
PARA A LEITURA DO MUNDO, e alguns colegas dos subprojetos do PIBID de
Português/Inglês e Português/Espanhol, realizaram no dia 26 de abril um passeio
cultural a Curitiba, com o objetivo de conhecer a Cinemateca, a Livraria
Cultura e o Museu Oscar Niemeyer – importantes centros de cultura que reúnem mostras
significativas do cinema, da literatura e das artes plásticas, nacionais e
internacionais.
O passeio iniciou-se com a visita
à Cinemateca de Curitiba, onde, acompanhados pelo projecionista Valdenício
Pereira da Silveira, os acadêmicos assistiram ao filme brasileiro “Brasa
Adormecida” (1987), dirigido por Djalma Limongi Batista, seguido por um pequeno
trecho de “Braza Dormida” (1928), de Humberto Mauro – clássico da filmografia
muda nacional e que foi homenageado pelo filme de Djalma. Após a exibição dos
filmes, o grupo ainda contou com uma explicação sobre o processo de
armazenamento das películas cinematográficas – serviço esse prestado pela
Cinemateca – e sobre a técnica de projeção dessas películas.
Seguido à Cinemateca, os
acadêmicos tiveram a oportunidade de conhecer a Livraria Cultura, recentemente
inaugurada no Shopping Curitiba. Além de uma ótima chance para ampliarem suas
bibliotecas particulares e descobrirem novas obras e lançamentos, a passagem
pela livraria permitiu que os alunos entrassem em contato com essas “novas
catedrais do livro que são as grandes livrarias de muitos andares” – como
comenta Umberto Eco em sua obra Sobre
Literatura (2002, p.11) –, que representam um universo de opções bem
distante do que comumente se encontra nas livrarias comuns e que permitem que
seus potenciais consumidores, mesmo que apenas folheando livros, entrem em
contato com diversos estilos literários.
Para finalizar o passeio, os
acadêmicos do PIBID seguiram para o Museu Oscar Niemeyer. Através de uma visita
guiada, eles puderam conhecer, entre outras obras, as polêmicas e
internacionalmente aclamadas gravuras do pintor espanhol Goya, da coleção
denominada Caprichos de Goya, além de apreciar a mostra de fotografias do
lituano Antanas Sutkus e a exposição com 800 itens da produção de Poty, um dos
mais expressivos artistas do Paraná.
Mas afinal, qual foi o objetivo
mais profundo desse passeio cultural?
De acordo com Duarte (2008, p.4)
“a catarse é o processo pelo qual o indivíduo receptor é colocado esteticamente
em confronto com a essência da realidade, por meio da superação, ainda que
momentânea, da heterogeneidade extensiva e superficial própria à vida
cotidiana”. Ou seja, segundo o autor, chama-se catarse essa reação que se
inicia no indivíduo que aprecia uma manifestação artística, de forma que sua
percepção de mundo seja alterada e receba novos contornos, fugindo do que lhe é
comumente aceito.
Essencial para qualquer pessoa, essa
“catarse artística” é ainda mais importante para aqueles profissionais que
trabalham com a formação de outras pessoas – como é o caso do professor. Para o grupo do PIBID, essa chance de
conhecer tanta coisa nova e poder receber novos referenciais artísticos foi uma
oportunidade de ampliar horizontes, ganhar uma bagagem cultural necessária para
a atividade em sala de aula e ter uma experiência real com aquilo que muitas
vezes só se leva para a escola através de referenciais teóricos. Segundo Pedro,
acadêmico do 2º ano do curso de Português/Francês, “essas experiências
culturais ajudam no desenvolvimento da personalidade do futuro professor,
contribuindo para que o professor tenha uma visão mais profunda do que é arte”.
Para ele, a arte “representa algo que a sociedade deveria parar para perceber.
Representa o mundo”.
Phellip, do 2º ano do curso de
Português/Inglês, acredita que não se pode compreender a cultura como algo
inato ao homem e desprovido de caráter experimental. “Então de que forma
podemos entender um movimento social ou uma realidade abrangente e
condizente com as inúmeras teorias estudadas, conceitos adotados, ideias
pesquisadas, se não pela experiência?”, pergunta. Para ele, a formação de um
professor nunca estará desconectada de sua formação como sujeito que reflete e
atua em sociedade. “Não há amadurecimento do grupo, sistema educacional ou
sociedade se não houver uma formação rica no sujeito que age – ou seja, no
sujeito e professor”, afirma.
Conhecer a arte e, mais
importante que isso, refletir sobre esse conhecimento, segundo a professora
Rosana, coordenadora do subprojeto do PIBID de Português/Francês “é função
básica para o exercício pleno do magistério”. De acordo com a professora, oferecer ao
aluno oportunidades de acesso àquilo que ele muitas vezes não alcança é uma das
mais importantes funções da escola. Dessa forma, experimentar “arte” nessa
viagem foi uma dessas oportunidades – oferecidas não apenas aos participantes
do PIBID, mas principalmente aos alunos com quem esses acadêmicos trabalharão, pois
receberão referenciais artísticos reais. Para Luciano, do 3º ano do curso de Português/Inglês, “o verdadeiro
professor” – e ele considera como verdadeiro aquele professor que
realmente escolhe sua atividade como uma profissão – “precisa ser sensível e
refletir sobre diversas coisas. Apreciar a arte é um bom exercício para isso.” Luciano
acrescenta ainda que “as experiências culturais que o professor tem servem como
ingrediente especial às aulas, tornando-as mais produtivas, criativas e,
consequentemente, prazerosas”. Para Débora, do 4º ano de Português/Espanhol, “aprender
foi a primeira etapa. Agora a meta é compartilhar os conhecimentos adquiridos
no passeio”.
Participantes de um projeto do
governo que investe diretamente dinheiro público na formação de futuros
profissionais da educação, os acadêmicos do PIBID reconhecem e compreendem o
valor que atividades como essa proporcionam aos professores em formação.
“Sinto-me privilegiada, pois este projeto é uma forma de reconhecer e valorizar
o trabalho do professor”, afirma Luana, caloura do curso de Português/Francês e
já bolsista do PIBID. “Acredito que estes profissionais estão sendo melhor
preparados para atender aos alunos que, por sua vez, serão beneficiados com
métodos mais eficazes de ensino”, explica.
Para Josiane, aluna do 4º ano de
Português/Francês, não apenas as atividades culturais têm sido válidas, mas
toda a experiência oferecida pelo PIBID. “Temos a oportunidade de estar em contato
com a realidade escolar. Isso significa que, quando estivermos com as nossas
turmas, depois da nossa formação, estaremos capacitados e habituados a lidar com
as dificuldades que cada aluno pode ter e cientes do grande crescimento que o
conhecimento pode proporcionar ao indivíduo”. Ela acredita ainda que o
investimento que o PIBID tem proporcionado aos professores em formação trará
benefícios não apenas para o sistema educacional diretamente envolvido com o
projeto – como a universidade e as escolas que recebem os bolsistas –, mas
também para o ambiente escolar em que esses futuros professores estarão
inseridos.
Perguntada sobre a importância
desse investimento na formação dos futuros profissionais que participam do
PIBID, a professora Rosana comenta: “Creio que a melhor palavra para responder
a essa pergunta é orgulho! Estamos todos muito habituados a acompanhar a
divulgação de informes sobre o mau uso do dinheiro público, de modo que
divulgar uma atividade como essa de que participamos é também nossa forma de
dizer que temos orgulho de gastar de forma tão produtiva o dinheiro de todos
nós, contribuintes”. Formadora de futuros professores há muitos anos, a
professora vislumbra o panorama geral que atitudes como essa podem proporcionar
para o sistema educacional como um todo: “Destaco a importância não apenas
desse Passeio Cultural, mas de todo o Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência como uma iniciativa fortalecedora dos cursos de
licenciatura”.
Porém, investimentos como esse,
que implicam em melhorias na
formação humana e profissional dos acadêmicos, apesar de representarem
iniciativas significativas para o progresso da educação, ainda estão longe do
ideal. “Não se deve comentar nem discutir a importância do PIBID, tendo em
vista que isso deveria ocorrer com todos do curso de licenciatura”, destaca
Allan, do 2º ano do curso de Português/Francês. Para ele, a educação em nosso
país não recebe a real atenção que deveria. Dessa forma, projetos como o PIBID
assumem ainda maior importância, pois são tentativas de criar alguma diferença
no nosso sistema educacional. “O retorno é imediato para as escolas que estão
envolvidas no projeto. Bacana será daqui alguns anos, quando mais gente estiver
envolvida e o retorno se der pelas pessoas que fizeram parte do projeto e
conseguiram mudar aos pouco algumas realidades”, comenta Allan.
De toda forma, o passeio cultural
representou uma importante atividade de união e confraternização dos
subprojetos do PIBID envolvidos, além de grande crescimento pessoal para cada
participante. Para Débora, “foi interessante saber sobre a conservação de
películas e cinema, pois são aspectos que fazem parte de um patrimônio
histórico e cultural que deve ser preservado para as novas gerações conhecerem
a história das gerações anteriores”. Phellip afirma que se sentiu motivado a
ver de perto as obras de Goya e Poty, artistas que já admirava. “Mas ao chegar
na galeria, não esperava encontrar o trabalho do fotógrafo lituano Antanas
Sutkus, que, posso afirmar sem medo, é um dos trabalhos com o qual eu mais me
emocionei até hoje”, comenta ele. “Fotos com expressão, luzes e história,
funcionando juntamente para uma obra de arte maravilhosa. Foi uma experiência
única”. A professora Rosana afirma que “estar em locais em que o cinema (no
caso da Cinemateca) e a arte de modo geral (MON) são tratados com imensa
seriedade e profissionalismo é uma oportunidade ímpar”. Ela destaca ainda o
entusiasmo e a alegria do projecionista da Cinemateca, Valdenício Pereira da
Silveira, em falar da sua experiência no trabalho com os filmes, considerando
esse “um dos momentos mais emocionantes do dia”. Já para Laiane, do 1º ano de
Português/Francês, arte é fundamental. “Não acredito ser possível viver sem
arte. A arte é um meio de comunicação, um meio de entreter, de abrir a mente,
de alegrar”, afirma. “O passeio me acrescentou de mais, aprendi muita coisa. É
algo indescritível. Com certeza pretendo levar meus alunos a um passeio como
esse”.
O QUE FOI VISTO NO PASSEIO
CULTURAL
OS CAPRICHOS DE GOYA
Coleção de 80 gravuras feitas
pelo pintor espanhol Francisco de Goya, produzidas entre 1797 a 1799. As
gravuras tratam de temas como o amor, a morte e a religiosidade, e produzem uma
crítica à sociedade espanhola da época. Esteve em exposição no Museu Oscar
Niemeyer nos dias 26 de janeiro a 26 de abril.
ANTANAS SUTKUS: UM OLHAR LIVRE
Exposição de 120 imagens do
renomado fotógrafo lituano Antanas Sutkus, que representam um pouco da cultura
do leste europeu. Curitiba é a primeira cidade a receber a mostra. A exposição
segue até o dia 20 de maio.
POTY, DE TODOS NÓS
Mostra de 800 produções do
artista paranaense Poty Lazzarotto. Reúne desde desenhos de infância até
produções de sua temporada na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de
Janeiro. Algumas produções nunca foram apresentadas para o público. A mostra
permanece em cartaz até 5 de agosto.
BRAZA DORMIDA
Produção em preto e branco de
1928, dirigida por Humberto Mauro, um dos pioneiros do cinema brasileiro. O
filme é considerado um dos grandes clássicos do cinema mudo brasileiro.
BRASA ADORMECIDA
Filme brasileiro de 1987,
dirigido por Djalma Limongi Batista. Seu título é uma homenagem ao filme de
1928 – inclusive, algumas cenas do primeiro filme podem ser vistas quando umas
das personagens assiste televisão. Caracteriza os anos 1960, com trilha sonora
de Tom Jobim.
Referências:
ANTANAS SUTKUS: UM OLHAR LIVRE. Disponível em: <
http://www.museuoscarniemeyer.org.br/exposicoes/antanas
site.html>. Acesso em: 15 de maio de 2012.
DUARTE, Newton. Arte e formação
humana em Lukács e Vigotski. In: 31ª REUNIÃO DA ANPEd, Caxambu: 2008.
Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT17-4026--Int.pdf>.
Acesso em: 12 de maio de 2012.
ECO, Umberto. Sobre literatura.
Rio de Janeiro: Record, 2003.
MAXIMO, Maria José. Arte e formação humana: contribuições do marxismo.
In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO: MARXISMO, EDUCAÇÃO E
EMANCIPAÇÃO HUMANA, 5, 2011, Florianópolis. Anais eletrônicos... Florianópolis: UFSC, 2011. Disponível em: < www.5ebem.ufsc.br/trabalhos/eixo_08/e08a_t005.pdf>. Acesso em:
12 de maio de 2012.
POTY, DE TODOS NÓS. Disponível em: <
http://www.museuoscarniemeyer.org.br/exposicoes/potysite.html>. Acesso em: 15 de maio de 2012.
VÁZQUEZ, A. S. As idéias estéticas de Marx. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1978. (Pensamento Crítico, v. 19). In: MAXIMO, Maria José. Arte e
formação humana: contribuições do marxismo. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO
E MARXISMO: MARXISMO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO HUMANA, 5, 2011, Florianópolis. Anais eletrônicos... Florianópolis:
UFSC, 2011. Disponível em: < www.5ebem.ufsc.br/trabalhos/eixo_08/e08a_t005.pdf>. Acesso em: 12 de maio de 2012.
Postado por Jefferson Araújo